Esse bar faz história
Tádzio França - repórter
A rua onde Câmara Cascudo nasceu, 113 anos atrás, hoje leva o seu nome. Antes disso era a Rua das Virgens, em meados do século XIX. Neste trecho do velho bairro da Ribeira, novas histórias estão se formando para reviver um período onde diversão, cultura e boemia movimentavam a ‘cidade baixa’ e ditavam moda para a província natalense. Mais nova iniciativa da área, o Consulado Bar, aberto semana passada, quer ser um pouco mais que um lugar para beber cerveja e petiscar. Instalado no casarão número 184 da rua, o estabelecimento também incorpora toda a importância histórica do local como mais um ingrediente atrativo. Alguém falou em ‘revitalização’?
fotos: aldair dantasO Consulado Bar é fruto do tino comercial dos irmãos Sérgio e Ricardo Teixeira aos interesses de resgate e revitalização do bairro da Ribeira por parte do historiador Leonardo Barata – o atual proprietário do casarão
O Consulado Bar é fruto de uma parceria providencial. O tino comercial dos irmãos Sérgio e Ricardo Teixeira encontrou os interesses de resgate e revitalização do bairro da Ribeira por parte do historiador Leonardo Barata – o atual proprietário do casarão. “Quando Leonardo me apresentou a casa, fiquei encantado. A partir daí, a ideia que no começo era uma coisa mais simples, só abrir um bar, se tornou algo maior. Ficamos empolgados”, explica Ricardo.
Foram cinco meses de trabalho entre a reforma de parte do ambiente e a adaptação cuidadosa à estrutura do bar. Não se tem a data precisa de quando o casarão foi concluído, mas estima-se que é da década de 10 do século XX. O quase centenário prédio foi construído pelo imigrante italiano Guglielmo Lettieri, que vindo para o Brasil, passou por Rio de Janeiro, Recife, e se estabeleceu em Natal, onde fez fortuna. Fundou a Cantina Lettieri e possuiu a única fábrica de gelo de Natal na década de 30. Líder da comunidade italiana na cidade, recebeu nesta casa em 1928 os aviadores transatlânticos Arturo Ferrarin e Carlo Del Prette, e em 1931 o General Italo Balbo.
Em 1938, Guglielmo foi nomeado cônsul da Itália no Rio Grande do Norte, e foi daí que nasceu um dos aspectos míticos - e polêmicos - do casarão nº 184. Um trecho da casa tem piso formado por ladrilhos representando a cruz suástica, o malvisto símbolo nazista. Consta que Câmara Cascudo recebeu por lá a Medalha do Rei Vittório, uma lata condecoração fascista. A simpatia do italiano por Mussolini e Hitler cobrou seu preço: foi preso em 25 de junho de 1942, acusado de espionagem e condenado em 22 de dezembro a 14 anos de prisão pelo Tribunal de Segurança Nacional; foi anistiado ao fim da 2ª Guerra. Após a sua morte, a família vendeu o imóvel à Bolsa de Valores do Rio Grande do Norte, que funcionou por muitos anos no local. História pura.
Em breve, novos ingredientes históricos na casa
Por décadas abandonado, o casarão agora pode ser visto – pelo menos em parte – em toda sua beleza clássica. O bar ocupa todo o térreo da casa, entre sala, corredor e quintal. A reforma feita por Ricardo e Sérgio, sob a orientação de Barata, tratou de conservar ao máximo a estrutura. A parte de fiação elétrica foi toda feita externamente, para não esburacar as paredes. As partes em madeira entalhada – arcos, lambris, portas e janelas - foram lixadas, envernizadas e receberam cera de carnaúba. Os belos afrescos florais nas paredes foram limpos. A polêmica sala com ladrilhos de suásticas foi isolada, a fim de ser melhor vista pela clientela.
A ambientação do Consulado Bar ainda terá mais ingredientes históricos. Em breve serão postas à exposição elementos como capacetes da 2ª Guerra, e uniformes como a farda de piloto do Mig 21 (um avião soviético), entre outras preciosidades do vasto acervo de Leonardo Barata. A decoração geral da casa faz menção à época da guerra, período em que Natal recebeu uma visibilidade nunca experimentada antes. Pelas paredes há painéis com fotos da Ribeira antiga, de ruas a cenas clássicas como a visita do presidente Roosevelt a Natal, e uma vista área da base de Parnamirim; além de pôsteres de propagandas de guerra americanas, russas, inglesas e alemãs. Cabe bem o clichê “viagem no tempo”.
entretenimento e memória, a receita
Atrelado ao lado histórico, o ambiente conta com os serviços de um bar caprichado. A programação musical – que será definida após o carnaval – é voltada para o jazz, samba e choro. O cardápio é uma boa mostra de petiscos, elaborada por Sérgio Teixeira. Ele trouxe a experiência do Steak Beer e Pizzamille, seus antigos estalecimentos. “Não temos refeições. Aqui é lugar para petiscar”, afirma. A diversidade é saborosa, entre carnes, camarões, pastéis, costelinhas suínas, kibes e outros mais, com destaque para o sistema de petiscos volantes, que passam entre a clientela. Os sócios/proprietários consideram que o Consulado Bar está funcionando em sistema ‘soft open’. “Ainda temos muito a fazer. Painéis para terminar, a exposição, a programação musical, e algumas pinturas. A equipe está em treinamento, mas as postas estão abertas”, diz Sérgio.
Segundo eles, a intenção não é competir com as outras casas já se firmando na Rua Câmara Cascudo. “ A ideia é somar. Toda a Ribeira ganha”, concluem.
Serviço:
Consulado Bar. Rua Câmara Cascudo, 184, Ribeira. Aberto de 4ª a sábado, a partir das 18h.
Fonte: Jornal Tribuna do Norte